sexta-feira, 8 de julho de 2011
Comil - Empresa anuncia nova fábrica no Sudeste
Há 25 anos, foi num lance desconcertante e vitorioso no leilão da massa falida da então Incasel a origem da Comil, uma empresa com 10% do mercado nacional de ônibus, aproximadamente 2,5 mil colaboradores e a pretensão de ultrapassar meio bilhão de reais em faturamento ainda este ano. De outro gênero, um novo lance está prestes a ser defl agrado. Para acompanhar o crescimento da demanda por transporte no Brasil nos próximos anos, a companhia sediada em Erechim, no norte do Rio Grande do Sul, bateu o martelo e vai construir uma nova fábrica no País.
A planta, ainda sem localização definida, ficará na região Sudeste, com os estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro no páreo. A unidade será voltada à produção de carrocerias para ônibus urbanos. Com previsão de entrar em operação em 2012, terá capacidade instalada inicial de dez veículos por dia.
Personagem do episódio do arremate da antiga Incasel há duas décadas e meia, quando embaralhou o raciocínio dos concorrentes ao fazer uma oferta com uma parcela extra além das cinco programadas - sem dar tempo de os demais disputantes refazerem as contas antes do “dou-lhe três” do leiloeiro -, o empresário Deoclécio Corradi, hoje presidente do conselho de administração da companhia, explica o sentido do novo passo da Comil. “É pela questão logística, pela redução do custo do transporte do chassi e outras matérias-primas. Como o ônibus urbano é um veículo
de menor valor agregado, economizar no frete já é signifi cativo”, diz Corradi em relação às melhores margens que a planta no Sudeste pode proporcionar em relação ao Sul por estar mais próxima dos maiores mercados brasileiros.
Com a produção de urbanos direcionada para a nova fábrica, a planta de Erechim também terá maior capacidade de produzir rodoviários - segmento onde detém a vice-liderança - e a linha de micros. Assim, a empresa fi ca pronta para responder à demanda que deve surgir devido ao crescimento da economia, iniciativas como o programa Caminho da Escola, do governo federal, o planejamento para melhorar o transporte urbano nas grandes cidades e eventos esportivos como a Copa de 2014 no Brasil e a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro, que têm o potencial de elevar a demanda.
Para o diretor geral da Comil, Silvio Calegaro, o mercado de ônibus no País estará em alta pelo menos até 2016, com a possibilidade de atingir, daqui a cinco anos, cerca de 36 mil carrocerias, o equivalente a 27% a mais em comparação com 2010. “Como os investimentos mais pesados, como o metrô, não foram disparados a tempo, a solução para toda a mobilidade urbana será o ônibus”, projeta Calegaro.
Para Corradi, parte do que pode ocorrer no mercado nos próximos anos depende também de o Estado fazer a sua parte, investindo em infraestrutura para um transporte público de qualidade. “É preciso planejamento e criação de corredores para depois colocar os ônibus”, prega o empresário, convicto de que as pessoas serão incentivadas a utilizar o transporte coletivo se o serviço oferecido for de qualidade.
Para Calegaro, é possível que ocorra uma acomodação do mercado interno após 2016, quando os principais aglomerados urbanos do País já poderão estar bem estruturados em termos de transporte. Até lá, porém, outros fatores tendem a impulsionar as vendas no mercado nacional. A Comil espera que os negócios voltem a acelerar no segundo semestre, após uma freada nas compras no trimestre em curso, ocasionada pela antecipação das encomendas nos três meses iniciais de 2011 pela mudança nas condições de fi nanciamento pelo Finame-PSI, especialmente os juros mais altos. A segunda metade do ano, explica Calegaro, deve engatar nova marcha pela expectativa de ocorrerem os leilões das linhas interestaduais e internacionais pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). “Isso dará mais segurança para que as operadoras possam fazer seus investimentos. Pode ocorrer renovação da frota porque as empresas poderão fazer seus planejamentos com um horizonte mais longo”, observa Calegaro.
Outro fator com potencial de alavancar a procura é a entrada em vigor em 2012 da nova motorização Proconve P7 (Euro 5) para a emissão menor de poluentes. Como a nova tecnologia deve elevar os preços dos ônibus a partir do próximo ano, é aguardada uma antecipação de compras no segundo semestre deste ano.
Com a tendência de uma conjuntura favorável e novos investimentos fabris, a Comil começa a implementar o seu plano de crescimento. “Nos próximos anos, teremos uma estratégia agressiva para a empresa se tornar uma das maiores players do setor”, promete Calegaro.
Uma das frentes é a complementação das linhas. Está na prancheta, por exemplo, um veículo urbano de piso baixo, mais um integrante da família de produtos da empresa, que ao longo de sua história aliou design e tecnologia à principal característica da marca. “O Comil é um ônibus robusto. Quem tem não comprou um problema, mas um produto que entrega a expectativa do cliente, com baixo custo de manutenção, mesmo sob condições severas”, define Calegaro.
PRODUÇÃO ACELERA - Para aproveitar o momento do mercado, a Comil começou a realizar no ano passado ajustes na linha de produção para ampliar a capacidade da fábrica. Assim, se adequou para acompanhar o ritmo da demanda. No primeiro semestre de 2010, a empresa conseguiu uma média de 12,3 carros por dia. Na segunda metade do ano, foi possível chegar a 14,4 unidades e, em dezembro, a Comil atingiu à marca de 16 ônibus por dia. “Na primeira metade de 2010 não acompanhamos o mercado por falta de capacidade de fábrica. Por isso, fi zemos algumas melhorias de processos e investimentos”, conta Corradi.
Para 2011, pé no acelerador. O objetivo é fechar o ano com uma média superior a 16 veículos diários produzidos. Mas a previsão é que os números de dezembro apontem a marca de 20 carros a cada dia, com todas as linhas produzindo a pleno vapor, o que deve assegurar a meta de elevar em 30% a receita líquida em 2011, sobre os R$ 339 milhões do ano passado.
Outra meta é alcançar em 2011 uma receita bruta superior a R$ 500 milhões, ante R$ 371,4 milhões no ano passado, garantidos por uma produção de 3.245 veículos, 22,5% maior em relação a 2009. Os números incluem os embarques em PKD para o México, onde a empresa tem uma parceria com a alemã MAN, que acopla localmente as carrocerias brasileiras em seus chassis.
Com o mercado de transporte urbano, rodoviário, fretamento e turismo turbinados no Brasil e as exportações freadas por difi culdades acarretadas pela valorização do real ante o dólar, o peso das vendas externas na receita da Comil caiu de 27,2% há dois anos para 23,5% em 2010. O atual patamar de câmbio, alerta Corradi, pôs em marcha um processo de desindustrialização no País. “Todos os dias aparecem notícias de alguém que parou de produzir e começou a importar”, observa.
No mundo do ônibus, reforça o empresário, a situação afeta a competitividade brasileira. “O exterior tem demanda por ônibus, mas muitos países também têm indústrias locais. Os clientes preferem o produto brasileiro, mas se a diferença de preço é muito grande, fi cam com o deles”, relata.
GESTÃO PROFISSIONALIZADA - Em busca de perpetuação, em 2008 a Comil deu um passo signifi cativo para continuar o processo de crescimento em bases sustentáveis. Deixou de ser uma empresa tocada no dia a dia pelos membros da família controladora e aderiu a uma gestão profi ssionalizada. Passou a ser uma sociedade anônima de capital fechado e os acionistas tomaram assento no conselho de administração, formado por seis membros, sendo dois independentes.
“Fizemos uma profissionalização gradativa, definindo questões desde pró-labore para os acionistas à participação nos resultados para os funcionários. A gente sabe que ou as empresas se profissionalizam ou as coisas podem não andar direito. Temos balanço auditado, apresentamos os resultados trimestralmente e isso tudo muda o conceito da empresa perante o mercado”, explica Corradi, que até 2008 era diretor-geral da Comil. A esposa de Deoclécio, Jussara Crespi Corradi, hoje também conselheira, entende que, afastada das decisões diárias, é possível traçar melhor as estratégias de longo prazo para a companhia.
Com o volante da Comil em mãos profissionais, o caminho é de crescimento, reforça Corradi. Assim, a empresa deixa tudo pronto caso um dia tome a decisão de abrir o capital na bolsa, uma hipótese cogitada há alguns anos. Para isso, no entanto, ainda falta ganhar musculatura, atingir um porte maior e conquistar participação de mercado, admite Corradi.
A obrigação de produzir e vender não é mais da família, mas os longos anos de expediente diário tornaram difícil o afastamento completo. Assim, os acionistas seguem sendo vistos todos os dias na Comil. “É um apego, uma vontade de viver o dia a dia da empresa”, defi ne o também conselheiro Dairto Corradi, irmão de Deoclécio.
BOM AMBIENTE GERA RESULTADOS - Em um cenário de escassez e disputa por mão de obra qualifi cada no mercado, ter à disposição colaboradores satisfeitos, focados e motivados é uma das metas perseguidas pela Comil. Proporcionar um bom ambiente de trabalho, fazer as pessoas sentirem-se bem e até auxiliar na resolução dos problemas familiares que possam afetar a qualidade de vida e, por consequência, o desempenho são algumas dos princípios norteadores da empresa gaúcha, além de proporcionar oportunidades de uma carreira com desafios atrás de crescimento profissional dentro da empresa.
“Precisamos de pessoas que acordem pela manhã e tenham vontade de ir trabalhar”, resume a gerente de recursos humanos da Comil, Adriana Menegatti. As estratégias são diferentes nos postos de chão de fábrica e de gestão, mas os princípios são os mesmos. Quem ocupa funções de liderança, explica Adriana, também precisa estar o máximo possível despreocupado com problemas externos para garantir resultado. “Se ele estiver de bem com a vida, vai conseguir contagiar positivamente o grupo. Ter as pessoas se sentindo parte do processo contribui para atingir metas e melhorar a produtividade”, acrescenta.
O trabalho com assistentes sociais, por exemplo, inclui até visitas domiciliares para ajudar a resolver problemas do dia a dia das famílias, como separação conjugal, formas de lidar com filhos adolescentes e acompanhamento do desempenho das crianças na escola. O esforço, mostra Adriana, já rendeu resultados. O número de acidentes de trabalho diminuiu, assim como a gravidade. No ano passado, a empresa contabilizava uma taxa de 5% de faltas por mês. Agora, o índice caiu para 2,2%. “Nos últimos anos, contratamos muitas mulheres, que, quando têm um problema familiar como com um filho, por exemplo, podem não vir trabalhar”.
Com a concorrência aquecida no mercado de trabalho em todo o país, a Comil adotou uma série de medidas para se manter à frente na corrida por formação e retenção de talentos. Alinhou os salários de funções mais demandadas à remuneração dos principais centros industriais brasileiros, iniciou há três anos um programa de recrutamento de trainees, desenvolveu parceria com o Senai e implantou um Centro de Educação Profissional interno com objetivo de capacitar jovens profissionais e funcionários.
ACASO TRANSFORMADO EM SUCESSO - Vencido o leilão em outubro de 1985, as famílias Corradi e Mascarello, então sócias na Comil Silos, de Cascavel, no Paraná, começaram a por a mão na massa (falida) e se dedicaram a fazer a fábrica, parada há dois anos, voltar a funcionar. Foi um reinício no improviso. Afinal, a decisão de disputar lance a lance o que restava da antiga Incasel foi tomada apenas uma semana antes, quando o acaso fez cair nas mãos de Deoclécio durante um voo a notícia do leilão publicada em uma nota de jornal. Fazia sentido apostar ali, lembra o empresário. O preço era atraente e a matéria-prima, principalmente o aço, era a mesma utilizada nos silos para armazenagem de grãos.
Foi o impulso, o faro da oportunidade que levou ao negócio. “Não fi zemos nenhum estudo de viabilidade ou de mercado. Foi no instinto empreendedor. Hoje não aconselho ninguém a fazer o mesmo, mas na época deu certo”, diverte-se Deoclécio.
Com o desafi o pela frente, os irmãos Dairto e Diones Corradi, então com apenas 24 e 20 anos, respectivamente, foram enviados para Erechim com a missão de retomar a produção na unidade. “Fomos atrás de funcionários que ocupavam postos-chave na fábrica, como o pessoal de manutenção para azeitar as máquinas. Depois procuramos um pouco de gente de cada área, como os antigos representantes comerciais”, relata Dairto. À época, os ex-funcionários estavam dispersos. Alguns procuraram emprego na concorrência, outros trocaram de meio de sustento. Um chapeador da antiga Incasel que voltou a ser recrutado, por exemplo, ganhava a vida como sorveteiro na cidade.
E então, com 58 funcionários, no dia 7 de janeiro de 1986, data considerada pela empresa o renascimento da Comil e o início da contagem dos 25 anos comemorados em 2011, a fábrica saiu do ponto morto e as máquinas voltaram girar. No primeiro mês, foi fabricado um ônibus apenas. No segundo, três veículos. No fi nal do ano, a contagem chegava a 166 unidades, com um fato novo a acelerar os negócios. O Plano Cruzado, lançado em fevereiro de 1986, aqueceu momentaneamente os negócios. As vendas fluíam fácil, recorda Dairto, que cuidava da parte comercial, enquanto a irmã tratava do financeiro. Foi um impulso de curto prazo nos negócios. “Começamos até a utilizar em nossa linha chassis de ônibus usados”, lembra Dairto, referindo-se à falta de insumos que veio junto com o plano.
No início, a agora Comil fi cou sem alternativas a não ser começar a produzir os mesmos modelos da Incasel, empresa que somava 40 anos de mercado. Assim, a empresa manteve a produção dos ônibus urbanos Cisne e Minuano e dos rodoviários Delta Jumbo e Columbia. O hiato de dois anos, entretanto, deixou os veículos desatualizados em relação aos principais concorrentes, mas aos poucos a empresa foi modernizando os carros e no mesmo ano lançou o primeiro modelo próprio, batizado de Palladium, para chassis de grande porte. Mais estruturada, decolou como empresa. Em 1987, deu início à construção de sua nova fábrica, transferindo as unidades localizadas no centro de Erechim para o distrito industrial do município, uma transição completada em 1991 - mesmo ano em que fez para o Chile as primeiras exportações, uma parte do negócio que começou a ser reconstruída com a contratação de profissionais de fabricantes concorrentes.
Nos anos seguintes, a Comil teve outros momentos marcantes, como em 2000, com o fi m da sociedade com a família Mascarello, personificada por Rovilio Mascarello, que ficou com a Comil Silos, no Paraná. A cisão marcou o início do processo de profi ssionalização gradual da empresa. Vinte cinco anos depois, os desafi os superados levaram a Comil a ser uma empresa que pode se orgulhar de ter mais de 35 mil veículos nas estradas e ruas brasileiras e de outros 30 países.
DE PAI PARA FILHOS
Mesmo há mais de três décadas e meia vivendo em São Paulo, Fermino Kozak, 59 anos, não tira da mente a sua terra natal, Erechim. Lá estão amigos e familiares. O pensamento, entretanto, passa longe de qualquer desejo de voltar a morar na cidade onde nasceu, viveu a infância e a adolescência. Além de afetiva, a ligação com o município gaúcho localizado próximo à divisa com Santa Catarina é de responsabilidade.
Como representante comercial da Comil no estado de São Paulo, Kozak tem a tarefa de vender os produtos da empresa no maior mercado brasileiro, o que de certa forma leva os milhares de colaboradores da companhia em Erechim - e da cadeia de fornecedores de produtos e serviços na cidade - a também dependerem de sua performance. A relação com o mundo do ônibus iniciou em 1969, quando começou a trabalhar na tapeçaria da então Incasel. Passou por outros departamentos, até ser convocado para coordenar as vendas da empresa em São Paulo. Quando a Incasel fechou, teve uma breve passagem pela Cobrasma, mas logo que os novos donos assumiram a empresa voltou a trabalhar para a atual Comil. Nestes longos anos, conta Kozak, o sentimento sempre se sobrepôs a ofertas para trocar de emprego. “Não mudei de fabricante pela minha relação com a cidade”, diz.
Com os ciclos econômicos que levavam as vendas a altos e baixos, aprendeu a se dedicar sempre para não deixar a fábrica sem produção. “Como veterano de ônibus, trabalho todo o dia como se houvesse uma crise, para fazer o melhor para a minha empresa”, conta.
A ligação é tanta que batizou o nome de sua empresa de representação comercial de SC Campione, em homenagem ao modelo de ônibus lançado pela Comil em 1998. “O Campione mudou o paradigma do ônibus no Brasil”, afirma.
A ligação com a empresa, parece, irá prosseguir na família Kozak. O filho Rodrigo já tem metade dos 30 anos de vida ajudando o pai a negociar os veículos da empresa de Erechim. Há quatro anos foi a vez da caçula Flávia, 26 anos, se juntar à SC Campione na função administrativa. A última a se incorporar foi a primogênita Fernanda, 32 anos, que há um ano atua no jurídico da empresa. Pelo jeito, Kozak quer perpetuar, em São Paulo, uma tradição da sua terra natal. “Em Erechim existem famílias com três, quatro gerações que trabalharam no ônibus”, ressalta.
Fonte: Revista Technibus
http://milbus.com.br/portal/index.htm
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